Os meios de comunicação publicam,
sobretudo, más notícias. Os crimes, as desgraças, os desvios comportamentais
dos outros alimentam o medo gerado pela percepção sentida de que a ordem
pública está degradada e é perigoso sair à rua.
Os “meet” de agora são reedições
dos “arrastões” de outrora. O alarme gerado por notícias que constroem factos sociais
mentirosos, provocam constrangimentos no modo como olhamos aqueles que são fenotípica
e culturalmente diferentes de nós.
O que aconteceu ontem à noite em
Cascais, foi apenas mais um episódio dessa forma paranóica de lidar com uma
realidade que nos escapa. No meio de 100.000 pessoas aglomeradas num espaço sem
condições, dois ou três miúdos envolveram-se numa briga. O estado de alerta
latente devido aos anunciados “meet” de jovens da periferia começou por
incomodar o cantor Anselmo Ralph que interrompendo o concerto e chamando a
polícia gerou o pânico e isso sim, causou a confusão. Tal e qual como no “arrastão
de Carcavelos” em 2005, quando o proprietário de um bar de praia chamou a
polícia porque “…viu uns pretos a correr”.
Se em Carcavelos o “perigo” era
personificado numa vaga ululante de jovens negros que corriam pela praia a
agredir e roubar os veraneantes, brancos, claro, agora o “diabo” vestia a mesma
pele e pretendia quebrar a paz e a harmonia social cascalense. Afinal, segundo
o Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Lisboa, que recolheu
informação junto do posto em Cascais, "não há registo de agressões" e
"não houve qualquer esfaqueamento", ao contrário do veiculado por
alguns órgãos de comunicação social. O que houve, referiu a fonte, foram
"várias ocorrências de doença súbita, uma situação de queda e uma pessoa
que, empurrada contra uma grade, teve um princípio de esmagamento, na sequência
da confusão gerada no local".
Na altura, em Carcavelos, os
desmentidos da polícia e de um ou dois jornais pedindo desculpa por terem sido
enganados ao darem conta da ocorrência, e confirmando que não houve assaltos
nem agressões mas apenas a confusão gerada pela chegada em carga da polícia de
intervenção, tiveram a divulgação obrigatória e envergonhada e, por isso, insuficiente
para retirar o anátema de cima dos “diabos” de pele negra que, apesar de serem
tão portugueses como nós, continuaram e continuam a ser vistos como estranhos e
estigmatizados em conformidade.
Sabe-se que os estereótipos morais
são manipulados pelos media ao serviço das classes e dos interesses dominantes,
criando segregação, barreiras e mitos que têm por fim salvaguardar-nos da
mistura com os outros. Felizmente, estamos condenados a viver juntos,
misturados, para o bem e para o mal. Ainda bem.