segunda-feira, 25 de agosto de 2014

POR ARRASTO VAMOS...

Os meios de comunicação publicam, sobretudo, más notícias. Os crimes, as desgraças, os desvios comportamentais dos outros alimentam o medo gerado pela percepção sentida de que a ordem pública está degradada e é perigoso sair à rua.
Os “meet” de agora são reedições dos “arrastões” de outrora. O alarme gerado por notícias que constroem factos sociais mentirosos, provocam constrangimentos no modo como olhamos aqueles que são fenotípica e culturalmente diferentes de nós.
O que aconteceu ontem à noite em Cascais, foi apenas mais um episódio dessa forma paranóica de lidar com uma realidade que nos escapa. No meio de 100.000 pessoas aglomeradas num espaço sem condições, dois ou três miúdos envolveram-se numa briga. O estado de alerta latente devido aos anunciados “meet” de jovens da periferia começou por incomodar o cantor Anselmo Ralph que interrompendo o concerto e chamando a polícia gerou o pânico e isso sim, causou a confusão. Tal e qual como no “arrastão de Carcavelos” em 2005, quando o proprietário de um bar de praia chamou a polícia porque “…viu uns pretos a correr”.
Se em Carcavelos o “perigo” era personificado numa vaga ululante de jovens negros que corriam pela praia a agredir e roubar os veraneantes, brancos, claro, agora o “diabo” vestia a mesma pele e pretendia quebrar a paz e a harmonia social cascalense. Afinal, segundo o Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Lisboa, que recolheu informação junto do posto em Cascais, "não há registo de agressões" e "não houve qualquer esfaqueamento", ao contrário do veiculado por alguns órgãos de comunicação social. O que houve, referiu a fonte, foram "várias ocorrências de doença súbita, uma situação de queda e uma pessoa que, empurrada contra uma grade, teve um princípio de esmagamento, na sequência da confusão gerada no local".
Na altura, em Carcavelos, os desmentidos da polícia e de um ou dois jornais pedindo desculpa por terem sido enganados ao darem conta da ocorrência, e confirmando que não houve assaltos nem agressões mas apenas a confusão gerada pela chegada em carga da polícia de intervenção, tiveram a divulgação obrigatória e envergonhada e, por isso, insuficiente para retirar o anátema de cima dos “diabos” de pele negra que, apesar de serem tão portugueses como nós, continuaram e continuam a ser vistos como estranhos e estigmatizados em conformidade.

Sabe-se que os estereótipos morais são manipulados pelos media ao serviço das classes e dos interesses dominantes, criando segregação, barreiras e mitos que têm por fim salvaguardar-nos da mistura com os outros. Felizmente, estamos condenados a viver juntos, misturados, para o bem e para o mal. Ainda bem.

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